Resenha - O Apanhador no Campo de Centeio
- 9 de dez. de 2021
- 6 min de leitura
Título original: The Catcher in the Rye
Título em coreano: 호밀밭의 파수꾼
Data de publicação: 16/07/1951
Nome do autor: Jerome David Salinger

Sinopse: É Natal, e Holden Caulfield conseguiu ser expulso de mais uma escola. Com uns trocados da venda de uma máquina de escrever e portando seu indefectível boné vermelho de caçador, o jovem traça um plano incerto: tomar um trem para Nova York e vagar por três dias pela grande cidade, adiando a volta à casa dos pais até que eles recebam a notícia da expulsão por alguém da escola. Seus dias e noites serão marcados por encontros confusos, e ocasionalmente comoventes, com estranhos, brigas com os tipos mais desprezíveis, encontros com ex-namoradas, visitas à sua irmã Phoebe — a única criatura neste mundo que parece entendê-lo — e por dúvidas que irão consumi-lo durante sua estadia, entre elas uma questão recorrente: afinal, para onde vão os patos do Central Park no inverno? Acima de todos esses fatos, preocupações e pensamentos, paira a inimitável voz de Holden, o adolescente raivoso e idealista que quer desbancar o mundo dos "fajutos", num turbilhão quase sem fim de ressentimento, humor, frases lapidares, insegurança, bravatas e rebelião juvenil.
“Muito bem. Então me escute um minuto… eu posso não expor isso da maneira memorável que eu desejaria, mas amanhã ou depois eu vou te escrever uma carta a respeito. Aí você pode entender tudo direitinho. Mas escute agora, mesmo assim.” Ele começou a se concentrar de novo. Aí ele disse, “Essa queda para a qual eu acho que você está se encaminhando — é um tipo especial de queda, um tipo horrendo. O homem que está caindo não tem o direito de sentir ou de se ouvir bater no fundo. Ele simplesmente vai caindo sem parar. A situação toda é feita para homens que, em algum momento da vida, estavam em busca de algo que o seu ambiente não podia lhes oferecer. Ou que eles achavam que o seu ambiente não podia lhes oferecer. Então eles desistiram de procurar. Desistiram ainda antes de começarem de verdade. Você está me acompanhando?”.
“Sim, senhor.”
“Certeza?”
“Certeza.”
Ele levantou e se serviu de mais bebida. Aí sentou de novo. Ficou um tempão sem abrir a boca.
“Eu não quero te meter medo”, ele disse, “mas eu posso claramente ver você morrendo com grande nobreza, de uma ou de outra maneira, por alguma causa totalmente desprovida de mérito.” Ele me olhou de um jeito esquisito. “Se eu escrever uma coisa pra você, você lê com cuidado? E guarda?”
“Leio. Certeza”, eu disse. E li mesmo. Eu ainda tenho o papelzinho que ele me deu.
Ele foi até uma mesa do outro lado da sala, e sem sentar anotou alguma coisa num pedaço de papel. Aí ele voltou e sentou com o papelzinho na mão. “Por mais estranho que possa parecer, isso aqui não foi escrito por um poeta profissional. Quem escreveu foi um psicanalista chamado Wilhelm Stekel. Olha o que ele — Você ainda está acordado?”
“Estou, claro que estou.”
“Olha o que ele disse: ‘A marca do homem imaturo é querer morrer de maneira nobre por alguma causa, enquanto a marca do homem maduro é querer viver de maneira humilde por uma causa’.”
Se você quer mesmo ouvir sobre essa história, a primeira coisa que vai querer saber é o porquê de ela ser tão famosa e referenciada em tantos campos da Arte, por que ela é um dos best-sellers mais lidos do mundo, indicado pela Oprah e pela mesa do Namjoon no início de Danger, e esse papo todo meio The New York Times, mas eu não sei se tenho cacife para tanto, se você quer saber a verdade. O que vou fazer é tentar dar uma luz para quem pensa em ler esse livro, mas tem medo de tentar e não conseguir, de começar e não terminar ou de terminar e não entender.
O Apanhador no Campo de Centeio é uma das primeiras obras (não só literárias, digo artísticas no geral) a considerar a existência do adolescente. Você já deve ter ouvido falar em algum lugar que a ideia do adolescente é algo relativamente novo, e até mais ou menos o final do século XIX ainda se considerava a passagem da infância direto para a fase adulta, sem uma fase intermediária — ou um “meio termo”. Salinger trouxe essa ideia do pré-jovem adulto, e mais: deu o protagonismo e a voz para que ele pudesse falar o que quisesse. Esse livro literalmente ajudou a formar gerações inteiras e tem grande influência na figura do adolescente que temos hoje em dia e que tínhamos no mundo a partir da década de '60.
Holden Caulfield tem dezesseis anos e conseguiu ser expulso de mais uma escola. Reprovou em quase todas as matérias e agora precisa voltar para casa para tomar bronca dos pais. Holden arruma suas coisas, vende sua máquina de escrever para um (agora ex) colega e decide ficar à toa até o dinheiro acabar. Acompanhamos então sua estadia solitária pela cidade, andando de táxi de um lado para o outro e perguntando aos taxistas para onde vão os patos do lago do Central Park no inverno. É um personagem jovem e extremamente crítico, podendo soar em muitos pontos como um “rebelde sem causa”, se você decidir julgá-lo a princípio como um garoto mimado criado numa bolha que não se importa com o dinheiro que os pais investem para que ele tenha uma boa formação (não eram de escolas públicas que ele estava sendo expulso) e mantém essa opinião até entender onde o livro quer chegar. Holden tem uma causa, e uma altamente identificável: ele não quer crescer e se tornar mais um dos adultos hipócritas que formam o que chamamos de sociedade. Não quer ter que fingir ser um deles, fingir ser o que não é para ser aceito, como muitos deles fazem. Holden quer se manter na pureza e honestidade da infância, bem longe de toda essa convenção e de ter que fazer algo em que não acredita.
O Apanhador no Campo de Centeio é um clássico, e um clássico não é um clássico porque é velho, mas porque tem algo grande a dizer — ou porque nunca terminou de dizer o que tinha para dizer. Esse é um livro subjetivo, tendo lições mais claras e perguntas para nos colocar para pensar ao mesmo tempo que ainda precisa da nossa interpretação para falar além. Assim como em Demian do Hermann Hesse, temos lições ocultas que podem passar batidas para quem não precisa delas (como Sinclair se abstendo de falar sobre um assunto no meio de uma conversa com um amigo porque tudo o que ele sabia sobre havia ouvido de Demian, não tendo tido tempo de pensar por si e criar sua própria opinião e se cala para não simplesmente repetir o discurso ouvido), Salinger planta esses mesmos gatilhos escondidos que são ativados por quem precisa encontrá-los — Um exemplo é quando ele vai se despedir de seu professor e sua esposa sabendo que não vai mais encontrá-los agora que vai sair da escola. Holden poderia ter contado que viria visitá-los no futuro, mas ele repudia falsidades e sabe que não vai voltar.
Acho bom responder a uma pergunta que você provavelmente está esperando mesmo que eu responda: por que o livro tem esse título? Se passa numa cidade do interior? Não, o motivo é a forma como Holden representa sua visão da sociedade por meio de uma metáfora. Ele não fala sobre isso tão no início, acredito, se bem me lembro, que passe da metade quando ele explica direitinho. Não vou contar porque não quero estragar, mas se quiserem mesmo saber a Isabella Lubrano estraga a surpresa para vocês nesse vídeo aqui.
Tem umas edições e traduções para vender, mas eu só vou poder falar da que eu li porque tive pouco contato com outras traduções, que é a do Caetano W. Galindo. O texto é exatamente esse aqui. Caso queira uma tradução diferente, tem dezenas de PDFs pelo Google (eu ainda recomendo esse site que eu indiquei com a tradução do Galindo para que procure uma tradução diferente).
Agora, minhas impressões.


Esse é outro livro que eu já tinha visto na mão do Jinyoung (GOT7) (e no capô do carro dele), mas só fui ler depois que encontrei ele na mesa do Namjoon. Nada no BTS Universe Story é por acaso e eu queria entender o motivo de terem achado necessária a presença da obra do Salinger ali. Não sei se estou certa, mas o paralelo que eu fiz foi a frustração tanto do Holden quanto dos meninos com o mundo ao seu redor.

Levei exatamente nove parágrafos para perceber que eu não tinha gastado dinheiro num livro que eu ia ler um capítulo e guardar na estante para terminar futuramente. Eu fiquei tentada a largar o livro e ir lavar a louça quando virei uma, duas páginas e só me vinha a sensação de que o Salinger estava tentando engajar os jovens usando linguagem jovem, tal qual professoras usando memes nos slides (o que eu pessoalmente acho fofo por ela estar se esforçando). Continuei, não vou mentir, porque, apesar disso, (1) ainda era um título grande na literatura mundial, e (2) o livro apareceu na mão do Jinyoung e na mesa do Namjoon (o que era suficiente para eu decidir continuar lendo um livro que não havia me prendido de primeira há uns dois anos atrás).
Ah, para quem estava postergando a leitura por causa da linguagem, saiba que o Holden escreve exatamente como ele fala, então é mais fácil você se frustrar por ele ser por vezes repetitivo tal qual numa conversa informal do que por não entender o que ele está dizendo. Apesar da linguagem fácil, a simplicidade não vai muito além daí; Salinger não precisa de palavras rebuscadas para ir longe com as falas do garoto.
Nunca conte as coisas pros outros. Se você conta, começa a ficar com saudade de todo mundo.

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