Resenha - Um Gosto e Seis Vinténs
- Avaloney
- 16 de nov. de 2021
- 4 min de leitura
Título original: The Moon and Sixpence
Título em coreano: 달과 6펜스
Autor: William Somerset Maugham
Data de publicação: 15/04/1919

Sinopse: Quando o autor sai no rastro de Charles Strickland, o herói do livro, sabe tanto sobre o misterioso personagem quanto o próprio leitor. Mas, à medida que ele avança em suas pesquisas, vão se revelando os detalhes de um drama espantoso e inacreditável que nos perturba, nos comove, nos revolta e também nos fascina pela poderosa sugestão de uma ideia de beleza tão intensa e tão dominadora que era mais forte do que o amor, o dever, a própria vida e a própria morte. Livro humano, cheio de irônica amargura e beleza, Um Gosto e Seis Vinténs é um dos romances mais empolgantes de Somerset Maugham.
— Quem lhe garante que você tem talento?
Ele não respondeu logo. Estava com o olhar fixo na multidão dos passantes, mas não creio que os estivesse vendo. Sua resposta não respondeu nada.
— Tenho que pintar.
— Será que não está correndo um risco muito grande?
Então olhou para mim. Seus olhos tinham algo estranho que me fizeram ficar pouco à vontade.
— Quantos anos você tem? Vinte e três?
Pareceu-me que a pergunta não tinha nada a ver com a conversa. Era natural que eu corresse riscos; mas ele já não era mais jovem, um corretor com uma posição respeitável, mulher e filhos. Uma atitude que para mim seria natural, era absurda no seu caso. Tentei ser justo.
— É claro que pode acontecer um milagre e você se tornar um grande pintor, mas você há de convir que é uma possibilidade entre mil. Vai ser bem desagradável se no fim você descobrir que estragou tudo por nada.
— Tenho que pintar — repetiu ele.
— Supondo-se que você nunca passe de um pintor de terceira categoria, você acha que terá valido a pena desistir de tudo? Afinal de contas, em outras profissões não faz diferença se não se tem muita vocação; podemos viver confortavelmente se fizermos o trabalho razoavelmente; mas com um artista é diferente.
— Idiota — disse ele.
— Não sei por que, a menos que seja idiotice dizer o óbvio.
— Já lhe disse que tenho que pintar. É mais forte do que eu. Quando um homem cai dentro d’água, não interessa se nada bem ou mal, tem que se safar senão morre afogado.
Confesso que quando conheci Charles Strickland, também não percebi nem por um momento que havia nele algo de diferente. Desde o início, quando o personagem passa de uma figura pintada pelo narrador a uma outra de quarenta anos e emprego estável que em nada se parece com a primeira, prevemos uma grande virada (Strickland abandonando tudo para virar pintor, como o próprio Paul Gauguin, cuja história serviu de inspiração para Maugham escrever esse livro, fez) e só acompanhamos o que o autor acha que é importante nós sabermos enquanto esperamos Strickland despirocar e ir embora sem mais nem menos. O narrador, que é também personagem e escritor, então, é convencido pela esposa de Strickland a ir atrás dele para convencê-lo a voltar para casa e continuar sustentando ela e os dois filhos (eu nem estou brincando, é isso mesmo o que ela diz), mas ele falha e acaba descobrindo, ao longo de alguns anos de idas e voltas, que a existência de Strickland era de uma dimensão muito maior do que poderia ter previsto (o que o autor/narrador admite nos primeiros capítulos), somente chegando perto de entender completamente tarde demais.
Ok, agora as minhas impressões sobre o livro.


Eu já tinha visto esse livro na mão do Jinyoung (GOT7) antes, mas eu só me liguei que era o mesmo livro quando eu vi ele na estante do Nam enquanto fuçava nela virtualmente e reconheci o título. Esse é um dos livros que eu já li que eu não teria escolhido sozinha e acabei pegando pra ler por influência de idols (minha mãe que fique grata por me influenciarem a ler e me educar e não a me drogar).


Minha primeira impressão (que na verdade se sustentou por boa parte do livro, não vou mentir) foi que estávamos diante de uma clássica crise de meia idade, e como Strickland não podia comprar uma moto (é início do século XX, não acho que motos eram tão acessíveis assim, mesmo na Europa) ele foi se meter a pintar. Ele não era bom, mas fingia não se importar para não dar o braço a torcer, tanto que quando o Escritor foi atrás dos quadros dele na loja ele tinha retirado eles de lá, como se tivesse medo de ser julgado por ele (mesmo o Escritor entendendo menos de pintura que o Stroeve, mas esse não importava muito pro Strickland (nem pra ninguém, por mais triste que soe)).
Só fui entender que eu tinha menosprezado Strickland no final, junto com o Escritor, que nos avisa para não menosprezá-lo, não cometer o mesmo erro que ele. Não sei dizer se é a escrita de Maugham que nos guia dessa forma, mas eu cometi o erro apesar dos avisos. Fiquei tão entretida tratando o caso como mais um Asinus ad lyram (um asno para a lira - que basicamente significa "um indivíduo estranho") que não percebi que estava cometendo o erro do Escritor e da sociedade aprendendo a valorizar Strickland tarde demais — É como ser uma das pessoas que depreciaram o trabalho do van Gogh sem ter a mínima ideia do tamanho que ele teria aos olhos dos críticos do próximo século. Foi assistir e participar da legião arrependida de não ter dado o valor que ele merecia (e para o qual não teria ligado, sem dúvida alguma — Strickland ganhando dinheiro para poder comprar tinta e comida não ligaria nem se seu nome fosse parar no Palácio de Buckingham).
Enfim, é um livro muito bom, mas é um daqueles livros que a gente só entende o que realmente quer dizer depois da metade. Tem algumas edições baratas em sebos online, mas se você preferir ler online/PDF pode encontrar o livro nesses links abaixo.
"Até que o hábito embota a sensibilidade, existe algo desconcertante para o escritor no instinto que o faz interessar-se pelas singularidades da natureza humana, interesse tão absorvente que sua noção de moral fica impotente ante ele."
⚠️ Ah, eu queria trazer aqui de forma mais expressiva um alerta de gatilho. Strickland abandona a família, como eu já disse, mas ele demonstra (e afirma verbalmente) não sentir nada por eles, sente-os menos que se fossem completos estranhos. Eu não tenho problemas grandes com abandono e me senti mal com isso, então se você tem problemas com isso e decidiu ler mesmo assim vá preparado para algumas afirmações desse tipo.
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