Resenha - Demian

Escritor: Hermann Hesse

Ano de publicação: 1919

Resenha de: M.N.C.

★ ★ ★ ★ ★

“Sempre é bom termos consciência de que dentro de nós há alguém que tudo sabe.”

O livro inicia-se na infância de Sinclair, em uma lar extremamente considerado religioso e “luminoso”. Porém, Sinclair, apesar de idolatrar este mundo que ele conhece, sente-se diferente do resto de sua família já que não consegue abraçá-lo completamente, mas apenas enxergá-lo. Após se envolver com Franz Kromer, valentão da escola, Sinclair se vê confinado em um mundo completamente diferente àquele pregado por sua família, o “isento de pecados”.

Com isso Sinclair passa a lidar com a dualidade do mundo que conhecia e o inevitável mundo sombrio dentro de si, agora tão aflorado. Atormentado por não ter as respostas de todas as suas perguntas sobre sua existência, passa a procurar as respostas na sua própria introspecção. Sinclair, já estava enraizado no mundo obscuro, se permite deixar cair em tentação na obsessão por um rapaz novo que aparece em sua classe; garoto um misterioso, muito sábio para sua idade, e que parece ser as respostas para todas as suas questionadas perguntas, Demian.

Demian resolve os problemas de Sinclair com Kromer, porém o sofrimento cessa por um tempo, apenas para reaparecer mais forte tempo depois. Sinclair mal sabia que nele havia sido plantado uma semente, e que apenas uma jornada de auto-conhecimento iria levá-lo até o florescer dela.

Demian é um livro INCRÍVEL, eu recomendo sempre e à todos! Mas por que o título é Demian e não Sinclair, á que o protagonista não é o Demian... O que Demian tinha de tão especial? Demian foi a faísca que ascendeu o fogo do personagem. E apenas com o apoio dele – que mesmo longe atuou como um guia e depois como figura a ser alcançada e a quem se deve satisfações -, que Sinclair foi capaz de retornar a sua jornada em cada uma das turbulências pelo qual passa durante a jornada contada no livro. Demian apareceu quase como um anjo, tirando de suas costas o peso de toda a autopunição por não seguir os scripts da vida ditados por outras pessoas.

Cada palavra que saía de Demian era como se fossem guias para que Sinclair continuasse seguindo seu caminho da forma mais adequada. Começou a se permitir experimentar de ambos os mundos em busca de encontrar seu “verdadeiro eu”. Trilhando por esse caminho, ele prova do crime, da amizade, das incertezas, entre outras coisas, e descobre que além da independência, tem poder de decidir entre fazer o bem e o mal.

E esse é um dos pontos do livro que gosto muito, essa dualidade, ou a inexistência dela que se torna o grande tema da trama. Luminoso, escuro, homem, mulher. O livro também mostra bastante esse processo de autoconhecimento de Sinclair que sabia que homem algum chegou a ser completamente ele mesmo, mas Sinclair estava destinado a cumprir esse desafio. O livro trata de vários assuntos por meio de metáforas que talvez não seja aceitável, vamos assim dizer, por qualquer um. Vemos ser estilhaçados os dogmas criados pelas religiões, por alguém que desde sempre, se viu preso em um mundo em que não queria estar por não ter liberdade.

Cansado de se sentir injustiçado por pregações hipócritas, o garoto segue a sua vida ao lado de Demian e de outras pessoas que apreciam o movimento filosófico, do questionamento, e com isso tenta chegar em sua mais pura essência. Com o passar de suas crises e o aumento de seu conhecimento Sinclair descobre-se um pouco de cada e torna-se cada vez mais completo, em sua concepção. Tem uma passagem que gosto bastante que é quando Demian cita que o demônio também é Deus, já que não há como uma força tão grande ser apenas um lado da moeda. Usando essa metáfora para mostrar a Sinclair que se deve procurar, uma aceitação do todo, sem restrições quanto a algum lado.

“Deus representa o bom, o nobre, o paternal, o belo e também o elemento sentimental… está bem! Mas o mundo se compõe também de outras coisas. E todas essas coisas são simplesmente atribuídas ao Diabo. Glorifica-se a Deus como Pai de toda a vida, ao mesmo tempo em que se oculta e se silencia a vida sexual, fonte e substrato da própria vida, declarando-a pecado e obra do Demônio. Creio que devemos adorar e santificar o mundo em sua plenitude total e não apenas essa metade oficial. Ou mesmo criar um deus que interagisse em si também o demônio e diante do qual não tivéssemos que cerrar os olhos para não ver as coisas mais naturais do mundo.”

Ler os altos e baixos da vida de Sinclair, sempre em busca de um sentido para a sua vida, e sabendo que o livro acaba aos 18 anos do personagem, foi como um aprendizado para mim mesma que li o livro quando tinha 19 anos. Eu me vi completamente em Sinclair, pois na época eu estava entrando numa fase nova na minha vida e estava tendo conflitos parecidos. Demian foi para mim o que ele foi para Sinclair. Teve o mesmo efeito de ter aberto a minha mente para fazer a mim mesma alguns questionamentos, que muitas vezes podem ir à confronto de muitas coisas que é confortável acreditar. Foi bem sair da minha bolha e zona de conforto ler Demian. Óbvio que não é um livro cheio de verdades, apenas propõe diversas reflexões, mas como disse antes exige de nós um pouco de mente aberta.

Demian nos faz refletir, buscar o autoconhecimento, a própria essência, por fora da religião, por fora de qualquer coisa que nos limite a sermos quem somos, sendo nós pessoas boas ou não. “Sendo nós os responsáveis por encontrar o que é permitido e proibido a si próprio”. Demian nos propõe a pensar o que estamos fazendo e como estamos lidando com as nossas vidas, nos fazendo, inconscientemente, buscar compreensão se estamos agindo conforme nossa própria essência, ou se estamos existindo apenas para agradar algum grupo da sociedade.

Demian foi de grande peso pra mim, à cada página me fazia pensar e repensar certos aspectos da minha vida e crenças que eu tinha e achava que eram minhas. É um livro que super recomendo não só ler uma vez, mas mais vezes, pois à cada leitura você vai tirar algo à mais e diferente.

E ai? Já leu Demian? Ficou com vontade de ler?